Resgatando os Inocentes
O Kindertransport foi uma operação essencial de resgate que salvou crianças judias da perseguição nazista entre 1938 e 1940. O programa surgiu como resposta ao aumento da violência contra os judeus, especialmente após a Kristallnacht, e possibilitou que aproximadamente 10.000 crianças da Alemanha, Áustria, Polônia e Checoslováquia encontrassem refúgio no Reino Unido.
Com o apoio de organizações judaicas, quakers e outros grupos humanitários, o Comitê Britânico de Refugiados Judeus pressionou o Parlamento britânico a autorizar a entrada dessas crianças. Embora o governo britânico tivesse anteriormente negado a imigração de 10.000 crianças judias para a Palestina, acabou autorizando a entrada de menores de 17 anos com documentos temporários. Cada criança precisava de um depósito de cinquenta libras esterlinas para garantir seu reassentamento. Os transportes eram feitos em trens lacrados e, ao chegarem ao Reino Unido, os refugiados eram acolhidos por famílias ou alojamentos coletivos.
O primeiro Kindertransport chegou a Harwich, Inglaterra, em 2 de dezembro de 1938, trazendo 196 crianças de Berlim. Os transportes partiram majoritariamente de Viena, Berlim e Praga, cruzando a Holanda e a Bélgica antes de seguirem de navio para a Inglaterra. O último transporte ocorreu em 14 de maio de 1940, quando um grupo de crianças na Holanda foi resgatado no cargueiro Bodegraven, no mesmo dia em que Roterdã foi bombardeada e um dia antes da rendição do país aos nazistas.
O Kindertransport contou com a participação de muitas pessoas importantes que tiveram papel de destaque na operação, como Lola Hahn-Warburg, que estabeleceu a estrutura do resgate em 1933 enquanto ainda estava na Alemanha; Lord Baldwin, autor do famoso apelo à consciência britânica; Rebecca Sieff, Sir Wyndham Deeds e Visconde Samuel; o rabino Solomon Schoenfeld, que salvou cerca de 1.000 crianças ortodoxas; Nicholas Winton, que salvou quase 700 crianças tchecas; o professor Bentwich, organizador da rota de fuga holandesa; e os líderes quakers Bertha Bracey e Jean Hoare (prima de Sir Samuel Hoare), que lideraram um avião cheio de crianças de Praga, entre outros. Truus Wijsmuller-Meijer, uma cristã holandesa, enfrentou Eichmann em Viena e trouxe 600 crianças no primeiro Kindertransport de Viena, em 10 de dezembro de 1938. Ela também organizou um transporte de Riga para a Suécia e ajudou a contrabandear um grupo de crianças para o navio ilegal Dora, com destino a Marselha e posteriormente à Palestina. Foi ela quem acelerou o último transporte através da Amsterdã em chamas até o Bodegraven em 1940.
A maioria das crianças foi bem tratada em suas novas casas, mas algumas foram espancadas, privadas de comida e tratadas como criadas. Aproximadamente 1.000 crianças – principalmente rapazes acima de 17 anos – foram detidas em campos de internamento no Canadá, na Austrália ou na Ilha de Man. Ao atingir a maioridade, algumas delas alistaram-se no exército britânico.
Fonte: USHMM; The Kindertransport Association (KTA); GOMES, Fernanda Capri Raposo. Infâncias interrompidas: as crianças do Holocausto (1933-1945). USP, 2022.