Fome e Sobrevivência
A alimentação dos prisioneiros nos campos de concentração nazistas era extremamente escassa e piorou significativamente após o início da Segunda Guerra Mundial. Antes da guerra, os prisioneiros recebiam um café da manhã composto por pão ou mingau, acompanhado de chá ou um substituto de café. O almoço consistia em sopa de vegetais, às vezes acompanhada de pão, enquanto o jantar oferecia mais sopa ou, em alguns casos, pão e queijo.
Com o avanço do conflito, a situação tornou-se ainda mais crítica. Em janeiro de 1940, as porções foram drasticamente reduzidas e tornaram-se menos nutritivas. Os prisioneiros consumiam, em média, apenas 1.300 calorias por dia, muito abaixo das 2.500 calorias recomendadas para homens e das 2.000 calorias para mulheres. Além disso, os guardas da SS frequentemente roubavam as rações, tornando a fome ainda mais severa.
Em outubro de 1942, Heinrich Himmler autorizou o envio de pacotes alimentares externos, mas essa medida beneficiou apenas uma pequena parcela dos prisioneiros, já que muitas famílias judias estavam presas e não podiam enviar mantimentos. Em 1944, com o colapso da economia de guerra alemã, as rações foram novamente reduzidas, e alguns prisioneiros passaram a receber apenas 700 calorias por dia. Para muitos, a única alternativa era recorrer ao mercado negro, ao roubo de mantimentos ou ao trabalho nas cozinhas do campo, onde havia maior acesso aos alimentos.
A Fome no Gueto de Varsóvia e o Estudo da “Doença da Fome”
O Gueto de Varsóvia, estabelecido em 1940, foi o maior gueto judeu da Europa ocupada pelos nazistas, abrigando mais de 400.000 judeus em uma área de apenas 3,4 km². Durante 18 meses, milhares de judeus poloneses e ciganos foram forçados a viver sob condições extremas, enfrentando superlotação, doenças e fome.
Os moradores tinham acesso a apenas 300 calorias de comida por dia, muito abaixo do necessário para a sobrevivência. Um decreto oficial, datado de 19 de abril de 1941, determinava que os alimentos fornecidos seriam insuficientes para manter a vida, independentemente das consequências. Como resultado, antes mesmo das deportações em massa para Treblinka, iniciadas em julho de 1942, mais de 100.000 pessoas morreram de fome e doenças.
Diante dessa realidade, um grupo de médicos judeus do gueto, liderado pelo Dr. Israel Milejkowski, chefe do departamento de saúde do Judenrat, decidiu estudar os efeitos da fome nos habitantes do gueto. O objetivo era registrar cientificamente as consequências da desnutrição extrema e documentar o trabalho dos médicos, que atuavam sob condições desesperadoras.
O estudo foi realizado em dois hospitais do gueto:
– O Hospital Czysta, voltado para adultos.
– O Hospital Infantil Bauman-Berson, que atendia crianças.
Os médicos identificaram a “doença da fome”, diagnosticada em pacientes que consumiam menos de 800 calorias por dia, sem outras doenças associadas. O estudo também analisou o metabolismo e a dinâmica circulatória dos pacientes, com equipamentos médicos contrabandeados para o gueto.
Os resultados revelaram que, diante da inanição, o corpo humano passa por três fases metabólicas:
– Uso dos carboidratos disponíveis para produzir energia.
– Queima da gordura corporal como fonte de energia.
– Consumo da própria proteína muscular, levando ao desgaste severo do corpo.
Além disso, o estudo mostrou que, ao retomar a alimentação, as funções metabólicas se restabelecem rapidamente, mas as mudanças circulatórias persistem por mais tempo, aumentando o risco de insuficiência cardíaca.
Entre janeiro de 1940 e julho de 1942, foram realizadas 3.658 autópsias, das quais 492 casos foram identificados como “fome pura”, sem outras doenças associadas.
Quando começaram as deportações em julho de 1942, o estudo foi interrompido. No entanto, os dados coletados foram escondidos e contrabandeados para fora do gueto, sendo confiados ao professor Witold Orlowski, da Universidade de Varsóvia.
Após a guerra, o manuscrito foi recuperado e, em 1979, publicado sob o título “Doença da Fome: Estudos dos Médicos Judeus no Gueto de Varsóvia”. Esse trabalho tornou-se um marco na pesquisa científica sobre a fome extrema e um testemunho das condições vividas nos guetos durante o Holocausto.
Conclusão
A fome foi um dos instrumentos de genocídio utilizados pelos nazistas, tanto nos campos de concentração quanto nos guetos. Enquanto nos campos as rações eram intencionalmente reduzidas para enfraquecer os prisioneiros, nos guetos, a fome era usada como ferramenta de extermínio passivo, antes mesmo das deportações para os campos de extermínio.
Mesmo diante do horror, os médicos do Gueto de Varsóvia mostraram um impressionante compromisso com a ciência e com a documentação da tragédia judaica, deixando um registro valioso que perdura até hoje.
Fontes:
The Hunger Disease Study in the Warsaw Ghetto.
Urologic History Museum. Hunger-disease-study, 2020.
SINNREICH, Helene J. “The Atrocity of Hunger: Starvation in the Warsaw, Łódź, and Kraków Ghettos during World War II” (2023). TOME-funded Monographs. 3.