Miriam Nekrycz

O relato de Miriam Nekrycz como sobrevivente do Holocausto compreende as várias fases da Guerra, passando pelas ocupações soviética e nazista da Europa Oriental até a libertação dos campos de concentração.

Ainda adolescente, ela experimentou as tribulações dos sobreviventes judeus, como uma refugiada ansiosa por deixar a Europa e chegar a Eretz-Israel, a despeito do bloqueio naval britânico.

Após testemunhar os primeiros dias do estabelecimento do Estado de Israel e a Guerra de Independência de 1948, ela decidiu passar alguns meses no Brasil – sem saber que adotaria esse país como seu novo lar.

Miriam Nekrycz registrou seu testemunho como sobrevivente do Holocausto em seu livro Relato de uma Vida, publicado no Brasil em 1995.

O livro inicia-se com a viagem de Miriam e Ben Abraham para a Polônia e a Ucrânia, depois da queda da cortina de ferro. Durante a viagem de trem de Varsóvia a Kiev, ela podia lembrar-se dos nomes das cidades que, nos séculos passados, fervilhavam de vida judaica.

Na Polônia, o casal visitou Auschwitz, Treblinka e Majdanek. Em Auschwitz, Ben Abraham não pôde conter suas lágrimas ao chegar ao local onde foi separado de sua mãe. Na área onde ficava o campo de Treblinka, somente as pedras restavam para simbolizar as aldeias e povoados de onde os judeus foram trazidos diretamente para a morte. O campo de Majdanek era agora tão próximo ao centro de Lublin que podia ser visto da estrada, pois os nazistas não tiveram tempo de destruí-lo antes da chegada do Exército Vermelho.

A chegada a Luck dá início ao relato sobre a infância de Miriam. A vida era boa para os judeus de Luck nos anos 1930. Seus avós paternos tinham um armazém de cereais; seu avô passava a maior parte do tempo estudando a Torá, enquanto seu pai – o filho mais velho – gerenciava a loja com a mãe. Dois de seus filhos haviam imigrado para Eretz Israel; uma das filhas tinha se casado e mudado para os Estados Unidos.

A família materna de Miriam também era estável: a avó, viúva, conseguiu criar os sete filhos administrando uma loja de sapatos durante a Primeira Guerra Mundial. Um dos filhos mudou-se para o Brasil após viver alguns anos em Eretz Israel com a família.

A família toda celebrava o Shabbat em uma sinagoga no bairro de Wulka, onde moravam. Embora passasse a maior parte do tempo entre parentes e amigos judeus, Miriam frequentava uma escola municipal com crianças católicas, onde os professores não discriminavam crianças judaicas. Contudo, às vezes, ela ouvia crianças polonesas gritando algo como “Judeus para a Palestina”. Ela não entendia o que essas palavras significavam.

No inverno de 1938 para 1939, os pais de Miriam abriram uma nova loja de tecidos. Na mesma época, nasceram seus irmãozinhos – um casal de gêmeos. Eram tempos felizes, apesar de algumas tribulações: um dia, a empregada simplesmente jogou água fervente em um dos bebês, que sofreu queimaduras graves. Aparentemente, ela o fizera de propósito.

Um dia, a pequena Miriam ouviu os adultos discutindo sobre a invasão da Polônia pela Alemanha nazista. Então, de repente, a guerra começou para sua família: a cidade foi bombardeada pelos alemães, e seu pai enviou a família para uma cidade menor, onde poderia estar mais segura. Dentro de mais alguns dias, chegaram as notícias sobre o pacto germano-soviético: a Polônia seria dividida em duas e eles estavam do lado soviético dos territórios ocupados.

Voltaram então para Luck, e a vida parecia seguir seu curso normal novamente. Enquanto isso, milhares de refugiados judeus cruzavam o Rio Bug para fugir da Alemanha ocupada pelos nazistas. A comunidade judaica de Luck recebeu muitos deles em suas casas, inclusive a família de Miriam, que acolheu uma jovem chamada Hella. Ela havia fugido com sua irmã, mas elas se perderam durante a viagem. Embora a família de Miriam a tratasse como sua própria filha, Hella chorava com frequência, por seus pais e por sua irmã.

Logo os soldados e oficiais soviéticos chegaram a Luck e começaram a impor suas regras sobre os territórios ocupados. Na escola, foram abolidas as aulas de religião, bem como as de polonês: agora, ucraniano e russo eram as línguas que as crianças deveriam aprender. A doutrinação infantil baseada em valores patrióticos também era intensa: Stalin era apresentado como um pai amoroso, cujos gloriosos atos de coragem eram exaltados em músicas e filmes exibidos às crianças.

Os pais de Miriam decidiram fechar a loja para evitar a perda das mercadorias. Como os soldados soviéticos queriam comprar tudo usando a velha moeda polonesa, que não valia mais nada, vender a mercadoria significava perdê-la, e era perigoso recusar-se a vendê-la.

A escola judaica religiosa foi fechada e o prédio foi transformado no “Palácio dos Pioneiros”. Os pioneiros eram crianças e jovens que haviam jurado sempre estar prontos para servir a Rússia. No Palácio, não havia distinção entre crianças judias e não judias.

Mas eram dias perigosos, principalmente para os ricos: a polícia secreta soviética invadia suas casas, confiscava seus bens, prendia os homens e os enviava para a Sibéria. Um dia, vieram à casa de Miriam procurando por Hella, pois ela havia se cadastrado para voltar para a Polônia ocupada pelos alemães. Os russos decidiram prender todas as pessoas que haviam se cadastrado no programa de retorno e deportá-las para a Sibéria. O pai de Miriam conseguiu trazê-la de volta para casa, mas ela não ficou muito tempo. Pouco depois, os oficiais soviéticos voltaram e a levaram. Nunca mais a viram.

Como não podia mais manter a loja, o pai de Miriam conseguiu um emprego em uma lanchonete. Enquanto isso, os antigos oficiais poloneses, que antes eram ricos e arrogantes, já não moravam mais no belo bairro de Urzędniczej Kolonii. Agora, oficiais soviéticos ocupavam o lugar.

A primavera de 1941 parecia feliz para Miriam, até a chegada de 22 de junho. Naquela data, a pequena Miriam acordou no meio da noite com o estrondo de uma explosão: a Alemanha havia invadido a Polônia ocupada pelos soviéticos e todos estavam em pânico, incluindo os oficiais soviéticos, que começaram a fugir de volta para a Rússia com suas famílias.

A família de Miriam não tinha para onde ir. Os alemães lançaram bombas incendiárias por todo o bairro, e tudo estava em chamas. As pessoas fugiam de suas casas e reuniam-se às margens do Rio Styr para tentar escapar do fogo, mas os aviões alemães voavam sobre elas e as metralhavam.

Eles conseguiram fugir para uma aldeia não bombardeada, mas os alemães chegaram lá três dias depois. Foram forçados a retornar a Luck, junto a uma multidão de refugiados, e descobriram que sua casa havia virado escombros. Decidiram mudar-se para a casa da avó de Miriam, dividindo-a com outros parentes.

Os nazistas logo começaram a perseguição aos judeus, auxiliados por milícias ucranianas formadas por voluntários. Todos os homens da cidade foram convocados para o trabalho forçado no primeiro domingo da ocupação nazista. Cerca de dois mil judeus se apresentaram – e nunca mais foram vistos. Na quinta-feira seguinte, um novo decreto convocava todos os homens judeus, e assim o pai e o tio de Miriam foram para o local designado onde supostamente seriam levados para o trabalho, juntamente com outros três mil homens judeus – os quais também nunca mais voltaram. Sua mãe ficou só com as quatro crianças: Miriam, Moniek e os dois bebês gêmeos.

Dia após dia chegavam novos decretos: judeus tinham que usar uma estrela amarela; judeus não podiam andar na calçada; judeus não podiam frequentar lugares públicos; judeus tinham que descobrir a cabeça quando vissem um soldado alemão. Aqueles que não seguissem as ordens seriam executados imediatamente.

Aproximadamente 25 mil judeus viviam em Luck antes da Segunda Guerra Mundial. No começo da ocupação nazista, cinco mil judeus foram levados pelos alemães. Aqueles que ficaram para trás eram principalmente mulheres, crianças e idosos.

Miriam escreve em seu livro que, de uma hora para outra, a criança tornou-se adulta, tentando ajudar a mãe a sustentar a família de quatro crianças. Ela trocava utensílios da casa por comida, mas as crianças estavam sempre com fome. Enquanto isso, novos decretos chegavam para os judeus: eles deveriam entregar quaisquer objetos de valor que ainda possuíssem para o Judenrat, um tipo de concílio judaico que tinha sido criado pelos nazistas – ao qual, segundo Miriam, judeus corretos e honrados jamais se voluntariavam. Muitos ucranianos tiravam vantagem da situação e pilhavam as casas dos judeus. A casa da família de Miriam também foi pilhada por um ucraniano que fingiu que lhes traria algum alimento.

Os prisioneiros russos também sofriam nas mãos dos nazistas; de fato, foram transformados em um espetáculo público do qual até mesmo os judeus se compadeciam.

Curiosamente, muitos soldados da Wehrmacht viviam em um prédio ao lado da casa onde a família de Miriam estava, mas eles não molestaram os judeus. Certa noite, um alemão invadiu a casa, e a pequena Miriam e seu primo pularam a janela e fugiram para o prédio dos alemães. Embora fossem proibidos de sair de casa à noite, os alemães não os molestaram, mas entraram na casa e expulsaram o invasor.

No entanto, outros alemães vieram à casa procurando por couro, seguindo a indicação de um sapateiro polonês que havia vivido em meio aos judeus, dos quais tirara seu sustento durante muitos anos. Mas agora, ele havia se tornado um espião e insistia que a família de Miriam tinha couro escondido na casa. Os alemães vieram várias vezes. Até o forro do teto foi removido na busca, mas nada foi encontrado. Parecia que o sapateiro tinha a expectativa de “herdar” o que pertencia aos judeus, assim como muitos de seus vizinhos poloneses e ucranianos.

Diferentemente dele, um pastor protestante que vivia na mesma área nunca tentou tirar nada deles. Em vez disso, ele lhes dava alguns dos legumes que cultivava em sua horta. Ele também concordou em esconder a máquina de costura da tia de Miriam em sua casa, para impedir que fosse confiscada.

 

Disponível em: https://benabraham.org/pt-br/miriam-nekrycz/a-guerra-chega-a-luck/. Acesso em: 13 de mar. 2025

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